Em homenagem ao Dia Mundial do Teatro, o ator e dublê profissional fala sobre sua trajetória, desafios na carreira artística e a importância do estudo contínuo.
No dia 27 de março é celebrado, mundialmente, uma das mais antigas e essenciais manifestações humanas: o teatro. Criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro (ITI), o Dia Mundial do Teatro busca valorizar a força desta arte milenar, que resiste ao tempo e às tecnologias por sua capacidade de reunir pessoas em torno de histórias que revelam, provocam e transformam.
Em 2020, convidamos um artista que personifica essa entrega cênica para uma conversa franca e inspiradora: o ator Thiago Luzzatto. Natural de Sinop, no Mato Grosso, Thiago iniciou sua trajetória no teatro regional em 2013 e, desde então, trilha um caminho marcado pela dedicação aos estudos, pela coragem de mudar de estado em busca de oportunidades e pela versatilidade de quem atua, dublê, dança, escreve e produz.
Com trabalhos na televisão, incluindo participações na Rede Globo e na Record TV, além de espetáculos encenados em palcos do Rio de Janeiro e de sua cidade natal. Thiago nos recebeu para uma conversa no formato “pingue-pongue”, em que compartilhou reflexões sobre os bastidores da profissão, os desafios enfrentados, o valor da formação e o impacto que o teatro tem (ou deveria ter) na vida de todo artista e cidadão.
Você se lembra da sua primeira vez no palco?
Sim. Foi em Sinop, em 2013. Eu estava participando de uma oficina de teatro e recebi o convite para integrar um grupo de pesquisa. A primeira peça que fiz foi uma adaptação de Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Lembro que tremia, mas ao mesmo tempo sentia uma força muito grande. Eu saí do palco com a certeza de que era aquilo que eu queria fazer para o resto da vida.
Você fala muito da sua cidade natal. O que representa Sinop na sua formação artística?
Sinop foi onde tudo começou. Foi lá que eu descobri o teatro, que me encantei com os exercícios de corpo, voz e interpretação. Foi também onde tive contato com artistas regionais incríveis, que me deram base e me incentivaram a estudar mais. Ao mesmo tempo, foi onde percebi as limitações de estrutura, de incentivo. Isso me deu o empurrão para buscar mais. Então, posso dizer que Sinop foi minha raiz e também meu ponto de partida.
E quando veio a mudança para o Rio de Janeiro?
Em 2015. Eu já tinha o meu registro profissional como ator e sentia que precisava expandir, ir para onde estavam os testes, os palcos, as produções de televisão. Cheguei ao Rio com uma mala, coragem e um currículo bem modesto. E foi um período de muito aprendizado. Fiz cursos, workshops, fui a muitos testes e vivi o que muitos artistas vivem: insegurança, rejeição, mas também muita troca e evolução.
Como foi a sua experiência nos cursos no Rio?
Foi transformadora. Em especial, o curso Teatro no Teatro, com as atrizes Isabella Secchin e Anna Wiltgen, no Teatro Leblon, me marcou demais. Elas têm uma visão muito generosa do ofício e trabalham com muita verdade. Aprendi a escutar o outro em cena, a respeitar o tempo do personagem, a cuidar da minha respiração. São coisas técnicas, mas que mudam tudo. É quando o ator deixa de “fingir” e começa a ser.
Você já participou de mais de 12 espetáculos. Qual te marcou mais?
Cada espetáculo traz um desafio único, mas posso destacar dois. O primeiro é: O morto do encantado morre e pede passagem, de Eduvaldo Vianna Filho, que encenei no Teatro Fashion Mall, no Rio. Foi uma peça intensa, com crítica social forte, e que me exigiu um trabalho corporal intenso. E o outro foi uma montagem regional que fiz ainda em Sinop, chamada Corpo Fechado. Era um espetáculo sobre intolerância e violência, e foi muito forte ver como o público reagia.
Você também tem experiência como dublê. Como surgiu essa oportunidade?
Na televisão, é muito comum os atores também realizarem funções paralelas. Como sempre tive preparo físico, por causa da dança e prática de esportes, comecei a ser chamado para cenas mais físicas. Aos poucos fui fazendo figurações com ação, depois cenas de risco, e percebi que ser dublê é uma arte por si só. Você tem que entender ângulo de câmera, tempo, impacto, mas também proteger o corpo, usar equipamento de forma correta. É muito técnico.
Você chegou a trabalhar com nomes como Paulo Gustavo e Paolla Oliveira no Caldeirão do Huck. Como foi essa experiência?
Foi surreal! Eu participei do especial Caldeirão de Ouro, em 2020. Interpretei um flanelinha numa esquete cômica ao lado do Paulo Gustavo e da Paolla. Eles tinham que adivinhar uma música com base na encenação. Foi uma cena curta, mas muito divertida. Estar com artistas deste calibre foi um aprendizado imenso. Eles têm timing, carisma, e são extremamente profissionais.
Qual o maior desafio de ser ator no Brasil hoje?
A instabilidade. É um ofício em que você está sempre entre trabalhos. Há meses intensos e outros de espera. E é difícil lidar com isso emocionalmente e financeiramente. Fora isso, há uma desvalorização histórica da arte, agravada por cortes em editais, falta de políticas culturais consistentes. Mas o maior desafio mesmo é continuar acreditando, mesmo quando tudo te diz para parar.
Você já pensou em desistir?
Sim, mais de uma vez. Mas algo sempre me puxou de volta. Às vezes é uma lembrança de uma plateia emocionada, um elogio inesperado, uma mensagem de alguém dizendo que se inspirou em você. A arte tem disso, ela te esgota, mas também te renova. E o teatro, especialmente, tem uma capacidade imensa de fazer a gente se reconectar com a vida.
O que o teatro representa para você?
O teatro me salvou. Literalmente. Me deu voz, corpo, consciência. Me ensinou a observar o mundo, a escutar o outro, a sentir empatia. É uma arte de presença, de doação. Quando estou no palco, sou eu em estado máximo de verdade. Não tem filtro, não tem edição. É o agora, com todos os seus riscos e maravilhas.
E qual é a importância do estudo para um ator?
É total. Muita gente acha que atuar é só ter “dom”, mas o dom sem disciplina não sustenta carreira. Você precisa estudar voz, corpo, técnica, dramaturgia, história do teatro. Precisa ver peças, filmes, ler. Um ator é um eterno aprendiz. E o estudo não acaba nunca. Cada personagem exige uma nova pesquisa. Eu mesmo continuo fazendo cursos até hoje, mesmo com anos de carreira. Sempre há algo novo a aprender.
Você se considera um ator mais intuitivo ou técnico?
Sou os dois. Comecei muito intuitivo, usando minha vivência e meu corpo. Mas depois percebi que a técnica amplia a intuição. Hoje, gosto de mergulhar no processo: entender o personagem, mapear emoções, construir gestos, tom de voz, respiração. Mas sempre com verdade. A técnica serve à emoção, não o contrário.
Qual foi o maior aprendizado que o teatro te trouxe?
A humildade. A cena ensina que você não é o centro do mundo. Que precisa ouvir, esperar, ceder. E também me ensinou a fracassar com elegância. Às vezes o texto falha, a reação não vem, a cena desanda, e tudo bem. O teatro é vivo, imperfeito. Ele te ensina a lidar com o imprevisto com graça.
Você já passou por situações difíceis no palco?
Claro! Quem nunca esqueceu uma fala ou entrou na cena errada? [Risos] Uma vez, no interior, o cenário caiu no meio da apresentação e a plateia achou que fazia parte. Outra vez, perdi a voz no segundo ato e precisei improvisar quase tudo com o corpo. Mas o público é generoso quando percebe a entrega. Eles entendem.
Quais são seus planos futuros?
Pretendo continuar atuando, mas também quero escrever. Tenho um projeto de espetáculo solo em andamento, que mistura dança, texto e vídeo. Também quero trabalhar mais com audiovisual, talvez até fora do Brasil. Tenho estudado inglês, e penso em expandir minhas possibilidades. Mas, acima de tudo, quero continuar contando histórias que emocionam.
O que você diria para um jovem que sonha em ser ator?
Que estude, que veja teatro, que vá aos ensaios, que respeite os colegas, que leia muito. Que se prepare para os “nãos”, mas não perca o amor pela arte. Ser ator é também ser cidadão, observador, ponte entre realidades. E que o palco – seja ele qual for – está esperando por ele, desde que ele venha com verdade.
Para encerrar, o que o Dia Mundial do Teatro significa para você?
É um lembrete de que o teatro resiste. Mesmo com cortes, com pandemia, com ausência de políticas públicas. O teatro está onde houver um ator disposto e um olhar atento. É uma data de celebração, mas também de luta. Porque o teatro não é só entretenimento – é formação, é transformação, é revolução.
Nota do editor:
Thiago Luzzatto é um exemplo de ator que encara a profissão com seriedade, paixão e coragem. Sua trajetória inspira novos artistas a buscarem o aprimoramento contínuo e a jamais subestimarem o poder transformador da arte. Em tempos incertos, ele nos lembra que o teatro, assim como o artista, pode tropeçar, mas nunca deixa de levantar.